Sejamos protagonistas da mudança
Hoje, de facto, a crise climática, a guerra e a crise económica parecem nuvens negras encasteladas, que, mesmo quando não nos atingem directamente, desestabilizam o nosso modo de vida e nos deixam pelo menos apreensivos. Mas também sacudiu muitas das pessoas que ainda andavam «distraídas»*.
Rita Veiga, Rede Cuidar da Casa Comum
25 de janeiro de 2023
O aumento dos fenómenos climáticos extremos não pode ser apenas um tema de conversa. Causa um certo alarido, sobretudo quando eles ocorrem ao pé da porta, mas é desejável que tenha, finalmente, o efeito de desinquietar as pessoas. Senão, daqui a alguns anos, as crianças de hoje poderão perguntar porque deixámos degradarem-se tanto as condições de vida no planeta.
Na REDE Cuidar da Casa Comum (ver https://casacomum.pt/quem-somos/), inspiramo-nos na encíclica Laudato Si’, a carta que o papa Francisco dirigiu a todas as pessoas de boa vontade. Esse texto, publicado em 2015 e tão actual, desenvolve a ideia de uma ecologia integral (LS 137-138). Está tudo interligado (LS 91) e as questões ambientais não podem ser dissociadas das sociais e económicas, nem das espirituais. Francisco propõe-nos a conversão ecológica, que «comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que nos rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus» (LS 217). E aquela, acrescenta, «para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária» (LS 219).
Na mensagem para o último dia de oração pela criação (1 de setembro de 2022), o Papa relembrou a necessidade de uma espiritualidade ecológica (LS 216) que nos leve a uma relação diferente com os outros e com a criação: «Trata-se de “converter” os modelos de consumo e produção, bem como os estilos de vida, numa direcção mais respeitadora da criação e do progresso humano integral de todos os povos presentes e futuros, um progresso fundado na responsabilidade, na prudência/precaução, na solidariedade e atenção aos pobres e às gerações futuras.»
Foi há quase oito anos que Francisco apelou a que cuidássemos da casa comum, abrangendo neste conceito os ecossistemas naturais e as populações que habitam a Terra, hoje e no futuro. No presente, tornou-se claro que é urgente ouvir tanto o planeta, que geme e se queixa em tantos fenómenos extremos, como o choro e o desespero de tanta gente que, de um momento para o outro, perde tudo ou deixa de ter condições de sobrevivência porque a sua terra se tornou inóspita.
Hoje, de facto, a crise climática, a guerra e a crise económica parecem nuvens negras encasteladas, que, mesmo quando não nos atingem directamente, desestabilizam o nosso modo de vida e nos deixam pelo menos apreensivos. Mas também sacudiu muitas das pessoas que ainda andavam «distraídas». O sistema terrestre(1), que reúne as condições que possibilitam a nossa existência, ressente-se de múltiplos desequilíbrios que a espécie humana lhe tem causado e a sua sustentabilidade não está garantida.
Não é possível continuar a proceder como se não houvesse limites para o progresso, nem para os recursos de que se pode dispor. Tal irresponsabilidade está aliada muitas vezes a uma ganância desmedida, com a agravante de que aumentam o fosso das desigualdades, em que uns, poucos, se apoderam dos recursos que fazem falta a populações inteiras para conseguirem aceder a condições de vida condizentes com a dignidade humana (LS, cap. III).
Muito se tem dito sobre todas estas questões, mas é preciso ser consequente. É mais que tempo de agir. Um dos primeiros passos – aliás, indispensável – é refrear o consumismo que gera tanto desperdício; são antídotos eficazes aprender a saborear a sobriedade, dispensando o supérfluo, e descobrir a alegria de partilhar, mas não só o que não queremos e, sim, aquilo de que o destinatário precisa ou deseja.
Temos pela frente enormes desafios e a situação é intimidante, mas voltemos à Laudato Si’: «O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projecto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum» (LS 13).
«Cuidar» é tarefa de todos, começando por aprender um outro modo de habitar a Terra e viver a amizade social, na linha da Fratelli Tutti(2). Há que aprofundar a teologia da criação e uma espiritualidade ecológica de conversão individual e comunitária. Falta muito para globalizar a solidariedade, para fomentarmos relações de proximidade, alargando os nossos círculos de modo a incluir as margens e as periferias, até que ninguém fique de fora.
Existem algumas propostas que abrem caminhos para não ficarmos a olhar a vida da varanda, para nos tornarmos protagonistas da mudança, como desafiou o Papa na Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio de Janeiro.
A Plataforma de Acção Laudato Si’ – https://plataformadeacaolaudatosi.org/ –, uma iniciativa do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, propõe uma estratégia orientada para sete Objectivos Laudato Si’, convocando sete sectores distintos a tomarem medidas concretas para proteger a casa comum. O papa Francisco, no fim do Ano Laudato Si’, em Maio de 2022, convidou-nos a mobilizar-nos na Plataforma (ver https://casacomum.pt/papa-francisco-propoe-a-plataforma-laudato-si/), a qual criou uma série de apoios, incluindo guias e outras ferramentas, para se desenvolverem Planos de Acção com vista a concretizar a mudança (ver https://plataformadeacaolaudatosi.org/sobre/).
A Economia de Francisco mobiliza jovens de todo o mundo para pôr a economia ao serviço das pessoas e das sociedades. Em setembro de 2022, o encontro que finalmente pôde acontecer em Assis, reuniu um milhar de jovens, de 120 países, os quais assumiram um compromisso com o presente e com o futuro, enunciado no Pacto para a Economia (ver https://economiadefrancisco.org/index.php). É um documento verdadeiramente «portador de esperança», com diria Manuela Silva.
O Pacto Educativo Global (ver https://www.educationglobalcompact.org/resources/Risorse/vademecum-portuges.pdf) pretende que a educação oriente para “uma cultura integral, participativa e poliédrica”. Tudo começou em 2019, quando o papa Francisco apelou a que se pensasse como se estava a construir o futuro.
A sua mensagem pode ser lida em português em https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/pont-messages/2019/documents/papa-francesco_20190912_messaggio-patto-educativo.html e vista em https://youtu.be/RmiqKXTB83Q (em italiano, com legendas em português). E também aqui são sete os compromissos propostos para envolver toda a sociedade.
Não faltam propostas de caminhos e acções e todos temos por onde escolher, porque a mudança que urge fazer é responsabilidade de todos e precisa dos talentos de todos. Afinal, o Criador quer continuar a contar connosco para cuidar da casa que nos deu e de todos os que a habitam.